Lista de termos considerados racistas e que, portanto, não deveriam ser mais usados. Retirado da publicação “Expressões racistas: Por que evitá-las”
A COISA TÁ PRETA – A expressão “a coisa tá preta” é verdadeira síntese de um conjunto de expressões de caráter racista que
associam a pessoa negra a coisas ruins. O sentido da expressão é referir-se a uma situação extremamente negativa, complicada ou a um problema de difícil solução.
A forma mais correta de passar a mesma ideia seria pelo uso de expressões como “a situação é difícil”, “o caso é complexo” ou “a coisa está complicada”
BARRIGA SUJA – A expressão “barriga suja” destina-se a designar mulheres que geram crianças negras, especialmente mulheres
brancas que têm bebês de pele negra, ou mulheres que dão à luz prole com pele mais escura que a sua. Assim, a ideia é de que a barriga que gera descendentes de cor escura é impura, problemática.
Trata-se de frase nitidamente misógina e racista, tendo em vista que deprecia a condição da mulher e das crianças negras, devendo, portanto, ser abolida do vocabulário.
BOÇAL – A palavra “boçal” é utilizada para designar uma pessoa sem cultura, sem educação, rude, grosseira. Durante o período escravocrata, o termo era empregado para designar pessoas escravizadas que não sabiam falar português.
Assim, seu uso rememora uma origem preconceituosa que deve ser superada, substituindo-se a palavra por outras, como “ignorante” ou “grosseiro(a)”.
CABELO RUIM – “Cabelo ruim” é mais uma expressão de cunho racista que consiste em desprezar as características físicas
das pessoas negras, associando-as a coisas ruins ou de qualidade inferior. O uso dessas palavras e suas variantes “cabelo duro”, “cabelo bombril” é forma contundente de racismo, e deve, portanto, ser abandonada.
Os cabelos possuem diferentes compleições e tonalidades, mas não existem cabelos que são melhores ou piores, apenas diferentes. Desse modo, é possível referir-se a “cabelos crespos” ou “cabelos cacheados”, conforme suas características.
CHUTA QUE É MACUMBA – A expressão “chuta que é macumba!” pretende designar o desejo de afastar algo ruim de perto de si, a vontade de se manter distante de algo que possa fazer mal. Dias (2019, p. 44) relata que a expressão nasce na segunda metade do século XIX em meio a uma grande campanha de detração e perseguição aos cultos afro-brasileiros na Bahia: É dessa época a expressão “chuta que é macumba!”, incitando os populares a pontapearem qualquer oferenda ritual encontrada em elementos naturais ou urbanos considerados hierofanias, em particular as encruzilhadas.
A ideia disseminada é de perseguição e destruição de qualquer coisa que possa ser associada às religiões de matriz africana. A
expressão concentra forte carga de preconceito religioso e racial, associando as religiões africanas a ideias que devem ser desprezadas por serem maléficas.
A repetição da ideia não é engraçada e não pode ser considerada brincadeira. Há tempos, o Código Penal pune qualquer ato de desrespeito a objeto religioso, independentemente da religião a que pertença.
O termo deve ser abandonado e substituído por outros que possam denotar com maior precisão o desejo de afastar algo, como “para longe de mim!”, “sai daqui!”.
COR DA PELE – “Cor de pele” é uma expressão que pretende identificar uma cor, mais especificamente tons de bege, fazendo expressa alusão à pele branca. A ideia de que as cores claras devem ser consideradas como padrão ideal para representar a pele humana é racista. Esse tipo de comportamento é designado por especialistas como colorismo.
Na verdade, não existe uma cor capaz de representar a pele humana uniformemente, pois há uma profusão – impossível de mensurar – de tonalidades que variam de pessoa a pessoa, o que representa a própria beleza da humanidade.
Desse modo, os tons de bege devem ser chamados pelo nome que possuem e não devem ser associados à pele das pessoas.
CRIADO MUDO – O termo “criado-mudo” faz referência a um móvel com gavetas, geralmente utilizado ao lado das camas e que funciona como apoio. A adoção desse nome, segundo alguns estudos filológicos, faz referência às pessoas negras escravizadas
responsáveis pelos serviços domésticos, que tinham a atribuição de segurar objetos pertencentes a suas senhoras e seus senhores, servindo de apoio permanente. Além disso, deveriam agir de forma discreta e silenciosa para não causar nenhuma perturbação no ambiente. Sob essa perspectiva, a expressão se referiria, portanto, a essas pessoas escravizadas.
Aqueles que discordam dessa construção lembram que a palavra, na verdade, possuiria sua origem na língua inglesa, mais especificamente em dumbwaiter, que descreve mesas que servem de apoio em restaurantes ou um elevador que faz
a ligação entre a cozinha e os salões de restaurantes. Há registros de que a palavra vem sendo utilizada desde meados do século XVIII (ONLINE Etymology Dictionary).
Independentemente da origem da palavra, o simples fato de seu uso ser relacionado com a escravização de pessoas negras é justificativa suficiente para o abandono de seu uso vocabular, tanto mais quando há expressão mais fidedigna para designar o móvel: “mesa de cabeceira”.
CRIOULA OU CRIOULO – “Crioula” e “crioulo” são formas pejorativas de se referir a uma pessoa negra. O uso dos termos era muito comum no período escravagista, tendo servido de título, inclusive, para uma obra clássica de Adolfo Caminha, Bom crioulo.
Essas palavras designavam descendentes de pessoas escravizadas, ou seja, quem não nasceu livre; portanto, estão impregnadas de preconceito e devem ser abandonadas.
DA COR DO PECADO – “Da cor do pecado” é uma expressão bastante difundida em diferentes regiões do Brasil; foi tema
de músicas bastante populares e até mesmo título de uma novela de sucesso. Apresenta-se como forma supostamente elogiosa de se referir a alguém, de louvar a cor da pele. Essa ideia, entretanto, pode ser facilmente desfeita.
Em primeiro lugar, em uma sociedade majoritariamente cristã como a brasileira, a ideia de pecado não vem associada a coisas positivas. O pecado é aquilo que não é aceito por Deus e, por isso, deve ser evitado, tem de ser afastado da vida das pessoas
corretas. Isso por si só já demonstra o preconceito da expressão, pois associa a cor da pele de alguém a um pecado.
Seguindo a análise, deve-se atentar que o pecado referido não é aleatório; trata-se, na verdade, da luxúria, o pecado do sexo. A expressão remete às mulheres negras e às imagens demasiadamente sexualizadas que se fazem delas.
O uso da expressão remete ainda ao comportamento abusivo adotado pelos homens brancos que violentavam sexualmente mulheres escravizadas e encaravam com naturalidade tal comportamento, inclusive, atribuindo a responsabilidade pelos atos
de violência às vítimas. O termo não é elogioso e carrega diferentes vieses preconceituosos, merecendo ser abandonado.
DENEGRIR – A origem da palavra “denegrir” é latina e significa enegrecer, mas seu uso está associado à ideia de macular, manchar, sujar alguma coisa. A junção das duas coisas faz surgir a ideia de que tornar algo negro é negativo, que deve ser evitado, o que
reforça a ideia preconceituosa que liga a pessoa negra a coisas ruins.
O uso da expressão confirma o viés preconceituoso também quando se verifica que aquilo que foi “denegrido” precisa ser limpo, corrigido, “esclarecido”. Trata-se de mais um termo que deve ser abandonado, por trazer embutida uma carga racista muito forte, que pode ser trocada por “difamar” ou “caluniar”, por exemplo.
DIA DE BRANCO – Inúmeras hipóteses são apontadas para designar a origem da expressão “dia de
branco” que, sob diferentes pontos de vista, poderia designar o uso de roupas claras para diminuir o calor, as vestimentas de marinheiros, médicos e professores ou até mesmo o dia de lavagem das roupas de cama e lençóis.
O mais provável é que a expressão tenha se originado no ambiente escravocrata. Embora a sociedade brasileira tenha como sustentáculo econômico a escravização de pessoas negras e indígenas, elas eram apontadas pelas brancas como preguiçosas e ineficientes. O trabalho era associado à pessoa branca, o que era, na verdade, uma grande incongruência. Desse modo, a expressão designaria um dia de trabalho, de esforço, ao tempo que o período do ócio seria o “dia de negro”.
Sob outra vertente, o “dia de branco” seria justamente o inverso: um dia de descanso e luxos, uma oportunidade de receber bons
tratos. Nas duas perspectivas, a expressão mostra-se repleta de preconceitos, pois associa a pessoa negra ora à preguiça, ora
ao sofrimento.
DISPUTAR A NEGRA – A expressão “disputar a negra” pretende fazer referência à derradeira partida de
um jogo ou à rodada de desempate para definir a vitoriosa ou o vitorioso. A origem do termo, como em alguns outros casos,
possui caráter racista e misógino. No período da escravidão, homens brancos que possuíam pessoas escravizadas comumente se reuniam para disputas de lazer cuja premiação era a posse de uma mulher escravizada. Há registros de que os feitores
também realizavam disputas pelo direito de castigar as mulheres mais atraentes para que tivessem oportunidade de abusar sexualmente delas.
O uso da expressão deve ser abandonado, cabendo em seu lugar outros termos mais adequados, como “partida de desempate”.
ESCLARECER – “Esclarecer” significa tornar algo claro, trazer luz sobre determinado assunto. Seu uso é corriqueiro, como se observa neste jornal paulista:
“Para esclarecer, informar, fortalecer e mobilizar cada vez mais a categoria, em
1972 nasceu o jornal […]”.
À primeira vista, não há nada de errado com a palavra e seu uso, contudo embute-se nela o racismo a partir do instante em que
transmite a ideia de que a compreensão de algo só pode ocorrer sob as bênçãos da claridade, da branquitude, mantendo no campo
da dúvida e do desconhecimento as coisas negras. O mais adequado, nessas circunstâncias, seria o uso das palavras “explicar” ou
“elucidar”, por exemplo.
ESCRAVA OU ESCRAVO – As palavras “escrava” e “escravo” possuem origem latina, podendo derivar de sclavus,
ou seja, pessoa que pertence a outra, ou de slavus, isto é, eslava ou eslavo, um povo (branco) bastante escravizado na antiguidade.
O debate em torno do uso da palavra refere-se ao seu sentido. Especialistas afirmam que os termos escrava e escravo passam a ideia de que a pessoa já nasceu sem liberdade, como algo inato à sua condição, ignorando o fato de que as africanas e os africanos
foram trazidos(as) ao Brasil e forçados(as) a trabalhar nessa condição. Nesse sentido, a palavra mais adequada para designar essa condição seria “escravizado(a)”.
ESTAMPA ÉTNICA – A expressão “estampa étnica” faz referência a padronagens de tecidos que fujam dos modelos europeus; geralmente, são típicas de países africanos ou de populações indígenas. O termo é de uso comum. Veja-se um exemplo do uso em sítio eletrônico de notícias: “Empresária lança marca de biquínis com estampas étnicas e viraliza”. O problema do termo é designar como etnia tudo que não for europeu ou branco, criando uma diferenciação indevida e preconceituosa.
Além disso, há pessoas que relacionam a ideia de étnico a exotismo, falta de civilidade, pensamentos que exaltam tudo que possui origem europeia e diminui as outras fontes.
A melhor forma de se referir a tais padronagens é apontar sua origem com nitidez:
“estampa africana”, “estampa afro” ou “estampa indígena”, por exemplo.
FEITO NAS COXAS – A expressão “feito nas coxas” é utilizada para designar algo realizado de modo apressado, sem muito apuro, descuidado. Não há certeza sobre as origens do termo, mas existem algumas hipóteses que são levantadas de modo mais corriqueiro.
Uma das proposições mais repetidas dá conta de que a expressão repetiria o hábito colonial de produção de telhas moldadas
nas coxas de pessoas escravizadas, trabalho realizado por produtividade e, por isso, mecânico e sem muito zelo pela uniformidade
das telhas criadas. Essa possibilidade foi refutada por Pastina Filho (2006, online):
Para confirmar nossa convicção da inconsistência da assertiva popular – telhas feitas nas coxas dos(as) escravos(as) – tomamos as
medidas das coxas de um homem de 1,80m de altura e verificamos que, usando-a como molde, só seria possível a fabricação de uma minúscula telha de 36cm de comprimento.
Sem maiores preocupações com aspectos de anatomia humana, se estabelecermos uma simples regra de três, poderemos
verificar que, para fabricar uma telha de 77cm, precisaríamos contar com um escravo(a) de 3,85m de altura. Além disto, em termos de otimização de força de trabalho, mesmo numa sociedade escravocrata, teríamos uma perda
substancial na força de trabalho: um escravo imobilizado, com lâminas de barro sobre suas duas coxas, e pelo menos dois outros para remover cada uma delas e transportá-las ao estaleiro.
Uma alternativa para explicar as origens do termo seria a descrição do ato sexual sem penetração, o coito interfemoral, ou
seja, quando o pênis é friccionado entre as pernas, o que estaria associado a algo incompleto, malfeito.
Há, por fim, uma terceira referência, a fabricação de charutos, que eram enrolados nas coxas das mulheres responsáveis por
sua produção. Ainda que não haja pleno consenso sobre as origens do termo, o linguajar cotidiano
costuma associá-lo ao trabalho da pessoa negra, algo de baixa qualidade, malfeito. Assim, a expressão acaba reproduzindo
uma ideia racista e merece ser abandonada, podendo facilmente ser substituída por outras que transmitam a
mesma mensagem.
GALINHA DE MACUMBA – A expressão “galinha de macumba” é utilizada para designar pessoas negras.
Trata-se de duplo preconceito, pois, de um lado, compara uma pessoa negra a um animal, o que representa enorme desprezo
por sua condição, e, de outro lado, associa as práticas religiosas afro-brasileiras a coisas ruins.
Nesse sentido, a expressão deve ser abolida do vocabulário.
HUMOR NEGRO – A expressão “humor negro” pretende referir-se a uma espécie de comédia que foge dos padrões convencionais e chega a ser chocante por estar baseada em coisas mórbidas, macabras ou ilícitas. Em outras
palavras, é provocar o riso valendo-se de elementos relacionados eventualmente ao
susto ou ao choro.
A imprensa vale-se da expressão. A título de exemplo, veja-se uma notícia de um jornal
do interior do Paraná: O objetivo de revisar dois milhões de beneficiários era o sentido da medida, restringindo
ainda mais as regras de avaliação do benefício de Prestação Continuada. Exercícios do gênero, pela crueldade acentuada, são puro
humor negro.
O uso do termo embute uma ideia preconceituosa, visto que associa algo fora do padrão de normalidade à pessoa
negra. Esse tipo de postura pode ser chamado, com mais adequação, de
“humor ácido”.
INHACA – Inhaca é uma ilha localizada na baía de Maputo, em Moçambique, que se tornou
um destino turístico de destaque daquele país. Algumas fontes apontam que a palavra pode designar também um monarca, um
líder moçambicano. No Brasil, desde o período colonial, a palavra “inhaca” e seus derivados são associados a odores corporais ruins. Trata-se do uso racista da palavra, pois associa um local ou líder africano a algo ruim. É mais lógico e mais simples que se
designem tais casos como “mau cheiro” ou “odor ruim”.
INVEJA BRANCA – A inveja é designada no imaginário cristão como um dos sete pecados capitais, ou seja, uma das condutas mais reprováveis que uma pessoa pode realizar. É a cobiça pelos bens, méritos, habilidades e outros atributos de uma pessoa.
Em nenhum sentido a inveja pode ser encarada como algo positivo. Contudo, o uso da expressão “inveja branca” tenta canonizar
o pecado, como se o adjetivo fosse suficiente para tornar a cobiça perdoável, aceitável ou mesmo elogiável. O termo está disseminado, como se verifica nesta publicação retirada de um jornal do interior de São Paulo:
Nesta semana, até fomos tomados por esta tal “inveja branca”, diante de um fato aparentemente simples, mas que revela o carinho de uma cidade a uma equipe esportiva que a representa e a projeta pelos quatro cantos do país – e até do mundo.
Essa ideia estimula a dicotomia de que tudo de ruim deve ser associado à pessoa negra e tudo de bom, à branca. O termo
pode ser substituído por expressões como “inveja boa”.
LISTA NEGRA – A expressão “lista negra” refere-se a um rol em que são agrupadas categorias de coisas ruins, proibidas, ilícitas ou que devam ser evitadas ou perseguidas. Veja-se a título de exemplo a seguinte matéria jornalística:
As empresas inadimplentes com impostos federais já estão adotando medidas contra a Receita Federal por terem seus CNPJs e os nomes dos sócios incluídos em lista negra, conforme disposto na Portaria da RFB.
O uso da expressão, portanto, serve para associar a pessoa negra a coisas que não são socialmente aceitas e que devem ser
evitadas ou inteiramente eliminadas. Desse modo, seria mais adequado o uso de expressões como “lista suja” ou “lista
proibida”.
MACUMBA – Não há consenso acerca das origens da palavra “macumba”. Cacciatore (1988) afirma que
o termo se origina na língua quimbundo, oriunda de Angola, e se refere àquilo que assusta ou a sortilégio. Lopes
(2003), p o r sua vez, afirma que a palavra possui o sentido de “prodígio”. Castro (2001) acredita que a palavra deriva do quicongo ou quimbundo makuba, signficando “reza, invocação”, referindo-se a manifestações religiosas de origem congo-angolana, sessões
de feitiçaria e manifestações religiosas afro-brasileiras.
A partir de macumba surgiram outras palavras, como macumbagem e macumbeira e macumbeiro, cujo conceito dicionarizado é:
1 MÚS tocador de macumba (no sentido de ‘antigo instrumento de percussão’)
2 chefe de terreiro de macumba.
3 praticante ou frequentador assíduo de macumba (REL)
4 p. ext. que ou aquele que realiza feitiços; feiticeiro. (HOUAISS)
Como se observa, as palavras fazem referência a religiões de matriz africana e seus(suas) praticantes e são utilizadas, quase sempre, com forte conotação preconceituosa, não raro sendo associadas a coisas muito ruins e que representam riscos às pessoas e à sociedade. Os termos devem deixar de ser utilizados pejorativamente e, sempre que possível, podem ser substituídos por religião de matriz africana e praticante de religião de matriz africana, candomblé, candomblecista, umbanda e umbandista.
MAGIA NEGRA – A expressão “magia negra” é corriqueiramente associada a rituais ou práticas religiosas que
são socialmente rejeitados tanto pelo seu conteúdo quanto pelo seu modo de ação. Por exemplo:
Observo que a “magia negra” é percebida pelos operadores do direito ao mesmo tempo como uma justificativa espúria para a prática
de crimes – o que parece revelar a descrença de tais agentes nesse sistema de valores – e como algo que desperta curiosidade, fascínio e medo em relação aos criminosos, suas crenças e práticas. (LACERDA, 2017, online)
A expressão concentra dupla discriminação.
De um lado, a associação da palavra “negra” a coisas malvistas e que devem ser evitadas ou afastadas; de outro, a ideia de que as manifestações religiosas negras são ruins e envolvem valores que devem ser rejeitados.
A ideia que se pretende transmitir pode ser expressa como “rituais proibidos” ou “práticas religiosas proibidas”.
MEIA-TIGELA – As expressões “meia-tigela” e “de meia-tigela” significam algo de qualidade inferior, duvidosa, medíocre, sem valor. Uma das explicações apresentadas para a origem das expressões refere-se à distribuição de alimentos às trabalhadoras e aos trabalhadores escravizados(as). Segundo essa corrente, a refeição seria reduzida a meia-tigela se o trabalho fosse avalia-
do como insuficiente ou ineficiente.
Outra versão relaciona as expressões com o ambiente da monarquia portuguesa, onde a comida era distribuída de acordo com a hierarquia das trabalhadoras e dos trabalhadores e a importância da tarefa que desempenhavam, havendo quem
recebesse a tigela cheia e também quem recebesse apenas meia tigela (PIMENTA, 2002). Uma terceira versão é apresentada por Rainer Sousa (online):
Temendo que a extensão de suas terras diminuísse com o passar das gerações, vários senhores feudais concediam os seus direitos de herança ao seu filho primogênito. Com isso, os demais integrantes da prole do nobre ficavam à mercê de alguma atividade ou posto eclesiástico que lhes garantisse o sustento. Em alguns casos, a busca por um casamento vantajoso, a realização de assaltos nas estradas ou o sequestro de algum grande proprietário. Foi justo nesse processo de exclusão sócio-econômica que a nossa “maldosa” expressão passou a ganhar a boca de vários castelos medievais lusitanos. Todo aquele filho de nobre que não herdava terras era conhecido como “fidalgo de meia-tigela”. Isso porque ele também era proibido de participar de um importante banquete, ritual onde se fazia a quebra de todos os pratos, louças e tigelas que serviam as refeições. Por fim, sobrava ao pobre filho de nobre os restos de sua posição social, ou seja, as
meias-tigelas.
Embora não haja consenso acerca das origens, a possibilidade de serem compreendidas como memória da escravidão é justificativa suficiente para que as expressões sejam substituídas por outras que cumpram a mesma função, como “insatisfatório”, “inadequado” ou “ruim”.
MERCADO NEGRO – A expressão “mercado negro” é de uso corriqueiro, como é possível verificar nos
seguintes trechos retirados de um jornal de circulação nacional:
Na China, a preferência por filhos homens, juntamente com o rígido controle do número de nascimentos, ajudou a criar
um lucrativo mercado negro de crianças.
China alimenta mercado negro virtual de drogas sintéticas ilegais.
Aplica-se a expressão quando se deseja referir-se a um conjunto de ações comerciais ilícitas, que desrespeitam regras jurídicas
e morais. Pode dizer respeito à venda de produtos proibidos ou obtidos a partir de
atividades criminosas.
O emprego do adjetivo “negro” na expressão tem o objetivo de sublinhar o caráter ilícito daquela realidade. O negro, nessa construção, é associado ao tráfico de crianças, drogas e armas, ao comércio de produtos contrabandeados
ou ao objeto de furto. Uma alternativa eficaz seria a substituição da expressão pelo uso de “mercado ilegal”.
MULATA – “Mulata” é possivelmente um dos termos mais polêmicos do vocabulário antirracista. Existem argumentos sólidos de lado a lado a explicar a origem da expressão. A palavra serve para referir-se a mulheres negras que possuem o tom de pele mais
claro, refletindo o preconceito ao estimular o clareamento da pessoa negra e pretender afastar a negritude do conceito de beleza.
Além disso, o protótipo da mulata brasileira estimula a hiperssexualização da mulher negra transformando-o em um objeto de
desejo permanente. Lopes (2014) afirma que mulata é a pessoa mestiça filha de branca e negro. A gênese da
palavra, entretanto, gera muitos debates. Houaiss (2018) afirma que a palavra é sinônimo de jumento. Segundo essa linha
de pensamento, a expressão teria mais de cinco séculos e designaria um animal híbrido misto de cavalo e jumento.
Sob outra perspectiva, Lita Chastan (BAHIA. BA, online) defende que a palavra se origina da língua árabe, mais precisamente na
expressão muwallad, que significa mestiço de árabe com não árabe. Essa posição é compartilhada por outros estudiosos.
Os usos da palavra, especialmente no período colonial e imperial, indicavam que o mulato gozava de maior penetração social por
ser filho de branco, o que lhe colocaria em melhores condições que o negro na visão daquela sociedade fundada no racismo.
Essa formulação acabava fragilizando essas pessoas que não eram reconhecidas nem como brancas, nem como negras.
Ainda que a expressão não possua uma origem notadamente racista como defendem alguns, os usos e sentidos
que lhe foram empregados acabam por impregná-la deste sentido. Desse modo, merece ser abandonada, optando-se
pelo uso corriqueiro das expressões “negra” e “negro”.
MULATA TIPO EXPORTAÇÃO – O uso da expressão “mulata tipo exportação” apresenta-se como tentativa de realizar elogios
à beleza de uma mulher negra. Sua origem, segundo Penna (2016), pode estar relacionada com o Brasil Export, show que ocorria no Rio de Janeiro em 1972. Citando a dinâmica do evento, a autora afirma:
[…] uma reportagem do Correio da Manhã, de 18 de novembro de 1971, a respeito do show, falava sobre uma mulher mulata
chamada Nixon “uma tremenda mulata tipo exportação” vestindo shorts e que em suas pernas e barriga exibia um carimbo com os
dizeres Brasil Export. (PENNA, 2016, p. 106) Nesse sentido, a expressão estimula a excessiva sexualização da mulher negra, inclusive, tratando-a como coisa, como produto componente da pauta de exportação brasileira, o que é uma postura
inaceitável.
Esse tipo de comportamento não merece ser levado adiante, sendo impossível a oferta de sinônimos a serem empregados, pois
a referência às mulheres deve ser sempre respeitosa e valorizadora de sua condição.
NÃO SOU TUAS NEGAS – A expressão “não sou tuas negas!” é utilizada comumente para designar revolta ou incômodo
com situação ou comentário, por exemplo. Não há consenso sobre sua origem, entretanto as hipóteses mais aceitas, além de possuírem conotação racista, demonstram caráter misógino.
A primeira teoria enfatiza que a expressão dá conta da realidade do período escravagista, quando mulheres escravizadas eram comumente vítimas de assédio e abuso sexual por homens brancos, pois havia uma ideia disseminada de que elas sempre estavam disponíveis para a atividade sexual, o que não acontecia com as mulheres
brancas, vistas como castas. A segunda teoria atesta que a expressão faria referência às mulheres escravizadas que
pertenciam a determinado senhor, que poderia dispor delas como bem desejasse, inclusive
sexualmente.
Nos dois sentidos, há, no tratamento, uma depreciação da mulher negra, que é tratada como objeto, propriedade, sendo passível de suportar todo tipo de comportamento. A busca por demarcação de espaço e respeito é válida, então a expressão poderia ser substituída por outras, tais como “me respeite!”.
NASCEU COM UM PÉ NA COZINHA – A expressão “nasceu com um pé na cozinha” é utilizada com o fim de demonstrar que alguém
possui entre seus antepassados uma pessoa negra. Há, portanto, uma série de nuances racistas na expressão, pois parte do pressuposto de que o espaço ocupado por uma pessoa negra em uma casa seria apenas a cozinha.
Outra associação possível é o fato de muitas mulheres escravizadas permanecerem na cozinha, inclusive no período
de repouso, estando sujeitas ao assédio e mesmo à violência sexual por homens brancos.
NEGA MALUCA – A expressão “nega maluca” é utilizada para designar um conhecido bolo de chocolate, como referido nesta reportagem de um periódico da Grande São Paulo:
A troca do nome de um bolo gerou polêmica e discussão na web. Até então conhecido como “nega maluca”, a iguaria foi batizada de
“afrodescendente” por um estabelecimento de São Paulo.
Não faz muito sentido que, a pretexto de designar um simples bolo de chocolate, seja necessário depreciar a mulher
negra, associando-a a uma sobremesa. Esse mecanismo esconde o hábito de sexualização indevida da mulher negra e vem agra –
vado pelo adjetivo utilizado com o objetivo de retirar sua capacidade de discernimento, inteligência, autodeterminação.
Seria bem menos ofensivo e dramático que o bolo fosse chamado pelo que de fato é: bolo de chocolate.
NEGRA COM TRAÇOS FINOS – A expressão “negra/negro com traços finos” pretende trazer uma forma elogiosa
de referir-se à pessoa negra. Contudo, acaba embutindo uma ideia racista, pois associa a negritude a traços grosseiros e feios. Desse modo, a beleza negra estaria limitada aos que não se parecem com negras e negros.
O uso da expressão deve ser abandonado, não cabendo, nem sequer, sua substituição por sinônimos.
NEGRA DE BELEZA EXÓTICA – O uso da expressão “negra/negro de beleza exótica” é mais uma forma de, supostamente,
fazer um elogio à estética da pessoa negra. Na verdade, o exótico é tudo aquilo que não é comum, que foge de padrões esperados.
Nenhuma dessas características pode ser empregada para designar a cor negra. É possível, obviamente, falar em pessoas
negras belas ou na beleza negra, mas nada há de exotismo nisso.
NEGRO DE ALMA BRANCA – Segundo Schwarcz (2012, p. 71):
Chegamos, de tal modo não só ao “quanto mais branco melhor” como à já tradicional figura do “negro de alma
branca”; branca na sua interioridade, essa figura representou, sobretudo até os anos 1970, o protótipo de negro leal,
devotado ao senhor e sua família, assim como à própria ordem social. O uso da expressão “negra/negro de alma
branca” repete a ideia de branqueamento da pessoa negra para que possa obter uma melhor qualificação.
Trata-se de pensamento preconceituoso e depreciativo por si só e que, por isso mesmo, deve ser abolido, sendo impossível
encontrar substituição possível.
OVELHA NEGRA – A expressão “ovelha negra” pretende designar uma pessoa que foge aos padrões aceitáveis, diferencia-se de forma inadequada dos padrões esperados. Designa, portanto, algo que foge, negativamente, às expectativas
sociais.
A origem de seu uso remonta à Antiguidade, quando “[…] os animais pretos eram considerados maléficos e, por isso, sacrificados
em oferenda aos deuses ou para acertar certos acordos” (Soportugues, online). Há uma associação da pessoa negra com
coisas ruins, desvirtuadas ou inaceitáveis, consequentemente, trata-se de expressão racista.
PRETO DE ALMA BRANCA – Preto de alma branca é o título de uma antiga música de Tião Carreiro e Pardinho.
A canção narra a ação de um negro que se sacrifica para salvar a vida de sua sinhá. Seu uso está associado à ideia de uma pessoa
negra de bom caráter. Há um enorme viés preconceituoso na expressão “preta/preto de alma branca”, tendo em vista que transporta a ideia de que não existem, por natureza, pessoas negras que sejam dignas, boas, exemplares. Reafirma uma percepção racista de que essas características são típicas apenas das pessoas brancas e que uma pessoa
negra, para que as obtenha, deveria imitar uma branca.
Trata-se de mais uma figura de linguagem que deve ser abolida, não cabendo nem mesmo sua substituição.
QUANDO NÃO ESTÁ PRESO ESTÁ AMARRADO – A expressão “quando não está preso está amarrado” faz referência aos cabelos crespos, associando-os, de forma bastante preconceituosa, ao ambiente da criminalidade. A ideia reproduz o pensamento de que os cabelos lisos representam o padrão de beleza da sociedade contemporânea, o que acaba estigmatizando todos os outros cabelos. A expressão deve ser abolida, não cabendo sua substituição por nenhuma outra, dado o nível de preconceito.
SAMBA DO CRIOULO DOIDO – O uso da expressão “samba do crioulo doido” tem como primeiro marco a música
de mesmo nome composta por Stanislaw Ponte Preta, em 1968, que iniciava assim:
Este samba é o samba do crioulo doido. A história de um compositor que durante muitos anos obedeceu ao regulamento e só fez samba sobre a História do Brasil. E tome de Inconfidência, Abolição, Proclamação, Chica da Silva e o coitado do crioulo tendo que aprender tudo isto para o enredo da escola. Até que, no ano passado, escolheram um tema complicado: a atual conjuntura. Aí o crioulo endoidou de vez e saiu este samba: […]. A partir de então, a expressão foi incorporada ao vocabulário nacional, como se verifica no trecho extraído de uma reportagem publicada em um jornal pernambucano: “Se vingar, a aliança se repete nos Estados? Repetindo-se, em Pernambuco quem será o candidato desse Samba do Crioulo Doido?”.
O termo é utilizado para designar algo que não tem muito sentido, um ambiente desorganizado, confuso. Para tanto, associa essa ideia de bagunça à pessoa negra, referida pejorativamente como “crioulo”, e, como em outras expressões, retirando seu discernimento. A expressão pode ser facilmente substituída por palavras como confusão, desarranjo e bagunça.“
SERVIÇO DE PRETO – A expressão “serviço de preto” possui dupla conotação. Em primeiro plano, pode significar trabalho feito de forma inadequada, incompleto, de baixa qualidade, o que embute a ideia de que apenas pessoas brancas podem realizar trabalho de qualidade e adequado.
Sob outra perspectiva, pode significar trabalho pesado, trabalho braçal, aquele que não exige muito do intelecto. Ideia igualmente
preconceituosa por externalizar o pensamento de que pessoas negras somente são capazes de exercer funções que necessitam
da força física.
Nos dois sentidos, a expressão deve ser abandonada por apresentar nítida conotação racista.
TETA DE NEGA – O termo “teta de nega” se refere a um doce de chocolate recheado com merengue ou marshmallow. A expressão faz uma comparação chula do formato do doce com o seio de uma mulher negra. O racismo é evidente e vem acompanhado de camadas adicionais de preconceito contra a mulher e de um apelo sexual associado à negra. O doce também é conhecido como “Nhá Benta”, termo bem mais adequado, em referência aos dotes culinários de Dona Benta, personagem eternizada por Monteiro Lobato.
VOLTA PRO MAR OFERENDA –
A expressão “volta pro mar, oferenda!” é utilizada quando se deseja afastar algo ou alguém, no sentido de incômodo com sua
presença física. O termo associa coisas e pessoas indesejáveis às ofertas religiosas que, nas religiões de matriz africana, são
oferecidas para Iemanjá, orixá associada com as águas salgadas e considerada a mãe dos outros orixás.
A ideia de afastar de si algo ruim, indesejável, relacionado aos presentes encaminhados a uma divindade religiosa, pretende menos-
prezar a cultura e as religiões de matriz africana e reproduz evidente preconceito. A expressão deve ser abandonada e trocada
por outras que denotem melhor a ideia pretendida.
Fonte: Expressões racistas : como evitá-las [recurso eletrônico] / Tribunal Superior Eleitoral. – Dados
eletrônicos (107 páginas). – Brasília : Tribunal Superior Eleitoral , 2022