I. UM CONCEITO NORMATIVO. — A Justiça é um fim social, da mesma forma que a igualdade ou a liberdade ou a democracia ou o bem-estar. Mas há uma diferença importante entre o conceito de Justiça e os outros citados. Igualdade, liberdade, etc, são termos descritivos. Embora abstratos e teóricos, podem ser definidos de tal modo que as afirmações em que se evidenciam são verificáveis, de um modo geral, pelo simples confronto com a evidência empírica. Exemplos: “essa lei fiscal é igualitária”; “a liberdade de expressão é característica dominante nesta sociedade” (v.IGUALDADE e LIBERDADE), É verdade que estas expressões adquiriram, pelo menos nos dias de hoje, conotações elogiativas e por esse motivo as proposições citadas tendem a denotar a desiderabilidade do estado de coisas que descrevem. Todavia, isto não é necessariamente verdadeiro. Não é incoerente dizer que é desigual o pagamento de salários mais elevados a pessoas especializadas, por mais desejável que isso possa ser, ou que a liberdade de expressão deveria ser limitada em benefício da segurança nacional. A Justiça, de seu lado, é um conceito normativo e expressões como estas: “esta ação ou esta norma ou esta instituição é justa” ou “é de justiça instituírem-se leis fiscais igualitárias” representam juízos normativos e não afirmações descritivas. Não deveríamos desviar-nos de uma expressão platônica como “… estamos buscando a Justiça, que é um bem muito mais precioso do que muitas barras de ouro” (Platão, República, I, 336). A Justiça não é uma coisa e muito menos uma coisa visível, mesmo em sentido platônico. Deveríamos evitar o substantivo e usar o adjetivo, para sermos mais claros. “X é justo” é mais semelhante a “X tem razão” do que a “X é igualitário”. Um racista e seu rival não podem chegar a um acordo sobre o fato de que a discriminação racial é na verdade desigual; mas é provável que se achem em desacordo sobre a avaliação justa ou injusta desta prática e seu desacordo se apóia numa atitude moral e não numa prova empírica. Fonte: Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino – Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998

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