I. MARX E O PROBLEMA DO ESTADO. — Entende-se por Marxismo o conjunto das idéias, dos conceitos, das teses, das teorias, das propostas de metodologia científica e de estratégia política e, em geral, a concepção do mundo, da vida social e política, consideradas como um corpo homogêneo de proposições até constituir uma verdadeira e autêntica “doutrina”, que se podem deduzir das obras de Karl Marx e de Friedrich Engels. A tendência, muitas vezes manifestada, de distinguir o pensamento de Marx do de Engels surge dentro do próprio Marxismo, ou seja, ela própria se constitui numa forma de Marxismo. Identificam-se diversas formas de Marxismo, quer com base nas diferentes interpretações do pensamento dos dois fundadores quer com base nos juízos de valor com que se pretende distinguir o Marxismo que se aceita do Marxismo que se rejeita: por exemplo, o Marxismo da Segunda e da Terceira Internacional, o Marxismo revisionista e ortodoxo, vulgar, duro, dogmático, etc. Nesta seção nos limitaremos a expor as linhas da teoria marxista do Estado e, em geral, da política, notando que ter-se-ão em vista principalmente as obras de Marx e, só subsidiariamente, as de Engels, que geralmente, representando as teses de Marx em polêmica contra os detratores e os deturpadores, acaba às vezes por torná-las mais rígidas. Como é sabido, Marx não escreveu nenhuma obra de teoria do Estado em sentido estrito, embora sua primeira obra de pulso, que ficou aliás incompleta e inédita por quase um século (escrita em 1843, foi publicada pela primeira vez em 1927) fosse um comentário e uma crítica, parágrafo por parágrafo, de uma boa parte da seção sobre o Estado da Filosofia do direito de Hegel (obra já conhecida sob o título de Crítica da filosofia do direito público de Hegel); e não obstante, na obra que imediatamente se lhe seguiu — tal como a primeira incompleta e inédita, conhecida sob o título de Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 — ter preanunciado nas primeiras linhas do Prefácio que apresentaria “uma após outra, em ensaios diferentes e independentes, a crítica do direito, da moral, da política”. Muitos anos mais tarde, no Prefácio a Para a crítica da economia política (1859), contando a história de sua formação, relatou como passara dos primeiros estudos jurídicos e filosóficos para os estudos de economia política e como, através destas pesquisas, chegara à conclusão de que “tanto as relações jurídicas quanto as formas do Estado não podem ser compreendidas nem por si mesmas nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas antes têm suas raízes nas relações materiais da existência”. Fonte: Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino – Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998