I. O SISTEMA JUDICIÁRIO NA ANTROPOLOGIA JURÍDICA. — O Sistema judiciário é um complexo de estruturas, de procedimentos e de funções mediante o qual o sistema político (do qual o Sistema judiciário é na realidade um subsistema) satisfaz uma das necessidades essenciais para a sua sobrevivência: a adjudicação das controvérsias pela aplicação concreta das normas reconhecidas pela sociedade. Nem em todas as sociedades humanas existe um Sistema judiciário, mesmo em sua forma embrionária, pela simples razão de que muitos sistemas sociais não prevêem que os conflitos entre seus membros sejam resolvidos por terceiras pessoas de modo imparcial, mediante a aplicação racional de normas gerais. Até nas sociedades com sistemas culturais mais articulados e diferenciados, os valores dominantes podem contemplar o compromisso e a mediação como únicas formas aceitáveis de composição dos conflitos (é este o caso, por exemplo, da sociedade coreana até aos tempos recentes); em outras sociedades, se usa ou se usou aceitar o veredito de autoridades superiores, terrenas ou ultraterrenas. Estas últimas o manifestam através de rituais codificados (pense-se nos ordálios, no duelo judicial) ou através de intérpretes mais ou menos permanentes e reconhecidos. De um modo geral, um verdadeiro Sistema judiciário surge num estádio relativamente avançado de diferenciação dos papéis sociais. As pesquisas de antropologia jurídica mostram, habitualmente, que ele aparece no momento que sucede à adoção de meios simbólicos de troca (escrita e moeda) e à criação de estruturas especializadas para a religião, para o Governo da coisa pública e também para a educação. Poderíamos também aventar a hipótese de duas condições gerais: que uma sociedade seja orientada para uma explicação imanente e não transcendente dos fenômenos sociais, e que disponha de um surplus econômico suficiente para sustentar até esta função que não é diretamente produtiva, além das funções religiosas, governamentais e administrativas, educacionais, etc. Fonte: Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino – Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998