I. A SOCIEDADE CIVIL NOS JUSNATURALISTAS. — A expressão Sociedade civil teve, no curso do pensamento político dos últimos séculos, vários significados sucessivos; o último, o mais corrente na linguagem política de hoje (v. § 6), é profundamente diferente do primeiro e, em certo sentido, é-lhe até oposto. Em sua acepção original, corrente na doutrina política tradicional e, em particular, na doutrina jusnaturalista. Sociedade civil (societas civilis) contrapõe-se a “sociedade natural” (societas naturalis), sendo sinônimo de “sociedade política” (em correspondência, respectivamente, com a derivação de “civitas” e de “pólis”) e, portanto, de “Estado”. Conforme o modelo jusnaturalístico da origem do Estado, que se repete, com sensíveis variações, mas sem alterações substanciais da dicotomia fundamental “Estado de natureza-Estado civil”, de Hobbes, que é seu criador, até Kant e seus seguidores, o Estado ou Sociedade civil nasce por contraste com um estado primitivo da humanidade em que o homem vivia sem outras leis senão as naturais. Nasce, portanto, com a instituição de um poder comum que só é capaz de garantir aos indivíduos associados alguns bens fundamentais como a paz, a liberdade, a propriedade, a segurança, que, no Estado natural, são ameaçados seguidamente pela explosão de conflitos, cuja solução é confiada exclusivamente à autotutela. Digamo-lo com as palavras de Locke: “Aqueles que se reúnem num só corpo e adotam uma lei comum estabelecida e uma magistratura à qual apelar, investida da autoridade de decidir as controvérsias que nascem entre eles, se encontram uns com os outros em Sociedades civis; mas os que não têm semelhante apelo comum … estão sempre no Estado de natureza” (Segundo tratado sobre o Governo, § 87). Fonte: Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino – Editora Universidade de Brasília, 1 la ed., 1998